Liga Americana Explica: teto salarial na NFL
Por trás de uma liga tão equilibrada existe uma engrenagem rigorosa. Veja como as franquias lidam com limites, contratos e escolhas.

"Liga Americana Explica" é uma série que apresenta, de forma clara, como funciona a NFL — seja para quem está começando ou já acompanha o esporte.
Hoje, o tema é teto salarial: o valor máximo que cada time pode gastar com os salários de jogadores em uma temporada.
Por que existe
Ao contrário de outras ligas em que os clubes mais ricos podem simplesmente gastar mais, a NFL opera com um sistema pensado para garantir o equilíbrio — e isso não acontece por acaso.
Esse modelo parte da premissa de que o sucesso da liga depende da competitividade entre as equipes. Um campeonato em que todos os times têm chances reais de brigar por título é mais imprevisível, mais emocionante — e, no fim, mais lucrativo. Em vez de uma elite permanente, a liga entrega histórias novas a cada ano — como franquias que saem do fundo da tabela e chegam aos playoffs em apenas uma ou duas temporadas.
É também uma maneira de preservar o interesse do público ao longo da competição. Na NFL, não há jogo fácil: uma equipe em reconstrução pode vencer um favorito a qualquer momento — essa incerteza alimenta o apelo da liga e mantém os números de audiência em alta rodada após rodada.
Como funciona
O teto salarial estabelece um valor máximo — igual para todos os 32 times — para ser gasto com salários de jogadores a cada temporada.
Esse valor muda anualmente, com base na receita total da liga — incluindo contratos de TV, bilheteria, merchandising, entre outros. Em 2025, por exemplo, o teto foi fixado em US$ 279,2 milhões por time, um salto considerável em relação aos US$ 34,6 milhões de 1994, quando o sistema foi implementado.
Na NFL, não há espaço para ultrapassar esse limite (diferente da NBA, que permite isso mediante pagamento de luxury tax). Existem exceções técnicas — como bônus prorrogados e reestruturações de contrato —, mas todas precisam seguir regras rigorosas. A própria liga fiscaliza o cumprimento, com auditorias regulares e penalidades severas para quem tenta burlar o sistema.
Como é usado
Para entender como o teto salarial funciona dentro de um time da NFL, vale observar exemplos reais. Na última temporada, o Cincinnati Bengals operou com uma folha próxima ao limite permitido. Segundo o site Over the Cap, apenas Joe Burrow - quarterback titular e principal jogador da franquia - representou cerca de 16% do teto total do time, com vencimentos estimados em US$ 46 milhões por ano.
A distribuição dos salários na NFL segue uma ordem relativamente clara. O quarterback costuma receber a maior fatia do teto salarial, seguido por posições consideradas essenciais para o sucesso do time: edge rushers, offensive tackles e wide receivers. Essa lógica acompanha a estrutura estratégica do jogo: primeiro, proteger o próprio quarterback; depois, pressionar o quarterback adversário — e, a partir disso, montar o restante do elenco.
No fim das contas, são 53 jogadores para dividir um orçamento fixo. Quanto mais se paga a um, menos sobra para os outros — e gerenciar esse equilíbrio é fundamental.
Quando gastar menos
Nem toda equipe da NFL opera no limite do teto salarial. Em muitos casos, isso não é sinal de falta de ambição ou recursos — mas sim uma decisão estratégica. A liga permite que uma parte do valor não utilizado em uma temporada seja transferido para o ano seguinte. Algumas franquias aproveitam essa regra para planejar investimentos mais agressivos no futuro.
É o caso de times em reconstrução: como sabem que não vão competir de imediato, preferem manter espaço no orçamento para usá-lo no momento certo. Essa estratégia ajuda a evitar contratos precipitados que comprometam o planejamento a médio e longo prazo.
Em 2024, por exemplo, os Patriots foram um dos times com mais espaço disponível no orçamento — chegaram a ter mais de US$ 70 milhões livres. A escolha de não gastar refletia o momento da franquia: sem um quarterback consolidado e com o elenco ainda em formação, New England optou por contratos curtos, apostas de baixo risco e preservação de espaço para o futuro.
Como se destacar
Com todos os times sujeitos ao mesmo teto salarial, o diferencial competitivo está — cada vez mais — na gestão. As franquias mais bem-sucedidas costumam acertar em pontos parecidos:
Começa no Draft
A base de um time vencedor passa por um Draft bem-feito. Jogadores recém-chegados à NFL assinam contratos mais baratos, o que permite obter grande retorno com um investimento relativamente baixo.
Em 2025, por exemplo, C.J. Stroud — quarterback dos Texans, ainda em seu contrato de calouro — representou menos de 4% do teto salarial da equipe. Já Joe Burrow — como vimos anteriormente — comprometeu mais de 16% do cap dos Bengals.
Quando um quarterback — a posição mais valiosa e decisiva do jogo — ainda está em seu primeiro contrato, as franquias têm mais flexibilidade para investir no restante do elenco. Por isso, muitos times consideram esse período a melhor janela para chegar ao Super Bowl.
Acertar no quarterback
A posição mais cara do jogo é também a mais difícil de acertar. E quando a aposta dá errado, o prejuízo pode ser enorme — tanto no orçamento quanto em campo. Um exemplo claro é o caso de Deshaun Watson, no Cleveland Browns.
Em 2022, os Browns enviaram três escolhas de primeira rodada ao Houston Texans para adquirir o quarterback — abrindo mão de ativos valiosos para construir via Draft. Em seguida, ofereceram um contrato de US$ 230 milhões, totalmente garantido por cinco anos — o maior do tipo na história da NFL.
Desde então, Watson disputou apenas 19 dos 57 jogos possíveis, devido a suspensões e problemas físicos. Em campo, teve um dos piores índices de desempenho (Total QBR) da liga e encerrou de forma precoce suas duas últimas temporadas. A expectativa é que ele também perca toda a campanha de 2025/26. A aposta foi um desastre e os Browns continuam com pouca margem financeira para reforçar o elenco.
Renovações antecipadas
Franquias bem administradas evitam deixar contratos importantes se aproximarem do fim. Quanto antes se renova, menor tende a ser o custo — já que, com o teto salarial subindo a cada temporada, os valores de mercado também encarecem.
Os Chiefs são exemplo de eficiência: renovaram com Patrick Mahomes em 2020, com um contrato de 10 anos e estrutura flexível (que permite reestruturações ao longo do tempo). Já os Cowboys enfrentam um cenário delicado com Micah Parsons. Sem extensão até agora, o linebacker segue cotado para se tornar o defensor mais bem pago da história. Adiar custa caro — literalmente.
Home Discount
Alguns jogadores aceitam ganhar menos para aumentar as chances de o time competir. O caso mais notório é Tom Brady, que por anos recebeu salários abaixo do valor de mercado no New England Patriots para permitir que a equipe mantivesse um elenco forte ao seu redor. Essa prática — conhecida como home discount — não é comum, mas mostra quando um atleta coloca o legado e a busca por títulos acima do ganho financeiro imediato.
O saldo final
O teto salarial nivela os recursos. E quando todo mundo tem o mesmo orçamento, o que define o sucesso é a qualidade das escolhas — não o tamanho do cheque.